«Taquetinho, ou levas no fucinho»
A unanimemente considerada melhor directora do Museu Nacional de Arte Antiga até à data foi demitida das suas funções. Segundo a nota do director do Instituto dos Museus e Conservação (IMC), Manuel Bairrão Oleiro, não será renovada a comissão de serviço de Dalila Rodrigues por razões que se prendem com «a sua total discordância em relação ao modelo de funcionamento do IMC e por ter colocado condições para a sua continuação à frente do MNAA», condições essas que, convém explicar, passavam pela autonomia financeira do MNAA e pela articulação directa do museu com o gabinete da ministra da Cultura (não seria de admirar que assim fosse, já que este é o único museu, de entre os 29 museus nacionais, cujo director é nomeado pela ministra da Cultura sob indicação do director do IMC, ao abrigo de um estatuto especial).
Convém, desde já, esclarecer alguns aspectos. Embora seja indiscutivelmente o mais importante museu do Estado Português, reunindo um espólio composto por 44.000 peças, o MNAA não é alvo de qualquer distinção (em investimento público) em relação a todos os outros museus nacionais na Lei-Quadro dos Museus Portugueses. Ademais, diga-se que as receitas próprias que o MNAA conseguir gerar não lhe são imediatamente adjudicadas, pois podem canalizadas pelo Ministério da Cultura para outros investimentos que a tutela entenda mais carenciados de verbas. A única diferença é mesmo a que já referi, ou seja, a nomeação do director directamente pela Ministra. Ah! E o facto de esse director, embora tendo a mesma categoria profissional de qualquer outro director de museu, ganhar mais ao fim do mês.
Dalila Rodrigues começou por se insurgir relativamente à questão da falta de pessoal nos museus, responsabilizando a Ministra da Cultura e o director do IMC directamente pela situação que qualificou de lamentável. Ainda assim, refira-se que o MNAA manteve todas as suas zonas expositivas abertas, muito graças ao esforço dos seus vigilantes, que trabalhavam várias horas que não lhes eram remuneradas.
Mas a revolta não se ficou por aqui. A directora opôs-se ao protocolo celebrado entre o Ministério da Cultura e o museu Ermitage por considerar que era mais importante resolver os enormíssimos problemas dos museus nacionais do que ajudar um museu russo a superar uma dificuldade pontual. E mais tarde Dalila Rodrigues afirmou publicamente não concordar com o modo como o museu se relacionava com a tutela (o tal modelo de gestão), reclamando mais autonomia, especialmente no que concerne ao mecenato (como, de resto, já é feito no Museu do Louvre e no Museu do Prado, por exemplo) e uma maior aproximação às comunidades técnica e científica. E disse ainda não concordar com certas "particularidades" relativas ao MNAA, nem sequer com o facto de o director daquele museu ser nomeado e ganhar mais, ou seja, aspectos que a favoreciam directamente.Por tudo isso, não quis estar caladinha, como convém aos "lacaios do regime". Azar dos azares: foi demitida.
É que quando se é um quadro, ainda por cima superior, de um órgão da Administração central, ou se acatam as ordens do superior hierárquico ou a malta tem a frontalidade de dizer que se demite. Como Dalila Rodrigues não fazia tenções de passar a concordar com aquilo com que discordava, ou seja, de mudar de opinião, anunciou que a partir de Novembro, quando acabasse a sua comissão de serviço, não continuaria à frente do MNAA. Só que não adianta nada ter esta rectidão, porque o governo entende que quem não concorda e, ainda por cima, tem o atrevimento de o dizer publicamente, tem de sair, ser demitido, afastado, nem que seja à força de processo disciplinar. E asinha, asinha, que eles não querem ter na Administração quem tenha o atrevimento de lhes apontar o dedo seja pelo que for! É o chamado método socrático (não do grego, do português, mesmo), que traz algumas reminiscências do chamado método pidesco, mas com ligeiríssimas actualizações pseudo-democráticas.A directora do MNAA deveria ter percebido que, sob a égide do José, no Portugal dos tempos que correm, é proibido abrir a boca para discordar, criticar, propôr alterações ou insurgir-se.
Cá no burgo só é permitido baixar a cabecinha dizendo que sim aos boys. E isto sem fazer muito estardalhaço, porque a ameaça que cantavam os Trabalhadores do Comércio no ido ano de 82 é agora muito mais evidente. Vivemos na era do «taquetinho ou levas no fucinho».Apenas mais uma nota. Relembro os mais esquecidos que Dalila Rodrigues foi nomeada directora do MNAA, em Setembro de 2004, por Maria João Espírito Santo Bustorff, Ministra da Cultura do governo de Durão Barroso, o que para mim não é apenas um pormenor, embora ache que não são tanto razões político-partidárias que levaram à dispensa, mas sim razões de intolerância perante a discordância. Convém ter presente que Sócrates gosta de ter tudo muito bem controladinho, um fiel dos seus em cada canto, nem que para isso tenha de mexer naquilo que está bem. Para que se tenha uma ideia do quão descabida é esta decisão de afastamento, tenha-se em conta que em 2003 passaram pelo MNAA 71.973 pessoas, enquanto que em 2006 os visitantes foram 192.452 (um aumento de 154%) e que as receitas do museu passaram de 250 mil euros, em 2003, para um milhão e 109 mil euros, em 2006. Além disso, a Sala Germain, a fachada da Capela das Albertas e a entrada do Museu foram restauradas. Foram substituídas as alcatifas, limparam-se e pintaram-se as paredes, os tectos (que estavam a cair) e o pavimento foram intervencionados. Ou seja, quase se pode dizer que a direcção de Dalila Rodrigues ressuscitou o MNAA.Para Sócrates, contudo, importa apenas o domínio sobre todas as situações, nem que para isso seja necessário sacrificar os projectos que já nos trouxeram até aqui, substituindo a excelência pela mediania, a gestão de excepção pela gestão possível, a competência pela fidelidade ao regime. Indubitavelmente, podemos concluir que o senhor Primeiro-Ministro escolhe os comparsas à sua própria imagem.
E agora idei vós queu vou támem
aqui ber u bídiu da musiquinha e cantemos todos co'a Dalila Rodrigues, enquanto ela mete as tralhas numa caixa de cartão e desocupa o gabinete lá nas Janelas Verdes: «taba fartu dir à missa / pra rezar u Padre Nossu / num gustaba mesmo nada / de cumer du que num gosto / mimpingiam babuseiras / só me qu'rian mudelar / eram tantas as asneiras / e eu tinha que calar»...
(Texto tirado de um outro blog e que Arsene Lupin subscreve totalmente)